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Foto do escritorTacun Lecy

Gratidão à Iyá Maria Lameu


Ìyálorixá Maria Lameu em dia de festa da Irmandade de Nossa Senhora da Boa Morte.
Ìyálorixá Maria Lameu • Irmandade de Nossa Senhora da Boa Morte | © 2009 Tacun Lecy. Todos os direitos reservados.

Na madrugada deste domingo, o vento frio de Iku veio buscar a Filha de Yemanjá mais ilustre do Recôncavo Baiano. Com 87 anos de idade e 45 de iniciada nos segredos do candomblé nagô, Mãe Maria Lameu era a Ìyálorixá do Terreiro Dacossidê, em Cruz das Almas, e uma das membras mais antigas da Irmandade de Nossa Senhora da Boa Morte, em Cachoeira.

Quis Olorum que a sua passagem acontecesse em um momento em que o mundo pede o isolamento social das pessoas e, por isso, a sua despedida não aconteceu da forma como deveria e que, principalmente, ela merecia.

Merecimento... É um bom caminho para falar um pouco de Mãe Lameu, minha Mãe Pequena, que conheci em 1999 e que acompanhou e cuidou de mim por todo o momento da minha iniciação no Axé, com a minha confirmação como Axogum no Terreiro Raiz de Ayrá, junto à Iyálaxé Mariá Kecy, ao Pejigã Irineu Ferreira, ao Babalorixá Idelson Sales, à Ekede Adeilde e ao Axogum Nélson.

Nesses meus 21 anos de caminhada na religião de matriz africana, vi poucas pessoas com o rumbê (educação religiosa) que Mãe Lameu tinha. Uma mulher que era elogiada por Ìyálorixás, Babalorixás e Ebomes, ainda quando era uma Iaô, e que, mesmo depois de se tornar uma “mais velha” e de sentar na cadeira como uma Ìyálorixá, continuou seguindo e respeitando aquilo que aprendeu no seu Tempo. Uma Ìyálorixá que, mesmo com a idade de santo que tinha, baixava a cabeça para falar com a sua Mãe de Santo, que não deixava de trocar bênçãos com Ogãs e Ekedes e que passava isso aos mais novos com a naturalidade das culturas africanas e afro-brasileiras.

Sim, Mãe Maria Lameu é digna de todas as homenagens possíveis! Uma mulher negra que conquistou seu espaço sem passar por cima de ninguém e sem precisar quebrar os acordos que todos os iniciados selam com os Orixás dentro do roncó. Uma Ìyálorixá do Tempo em que os candomblés eram aprendidos no dia a dia dos terreiros, que eram espaços sagrados que não tinham wi-fi; sem internet, sem redes sociais... Sem lives.

Hoje apareceram diversas postagens, nessas mesmas redes, de pessoas prestando homenagens a ela. Pessoas lamentando a passagem da Filha de Yemanjá, se colocando em posição de amigas íntimas ou muito próximas da Mãe de Santo... Muitas pessoas que, por sua posição como Ìyálorixá e integrante da Boa Morte, a utilizaram como escada para crescer em algum momento da sua vida, mas que sequer pisaram um dia no Terreiro Dacossidê para reverenciar a “Yemanjá de Lameu”.

É duro e chato tocar nesse tema agora... Mas acredito que a passagem de Mãe Lameu, nesse momento em que Tempo nos obriga a refletir sobre no que o mundo se transformou, nas suas mais especiais particularidades, nos traz um sentido bem maior que o mais óbvio que se apresenta. No que os candomblés e o povo de santo vêm se transformando? O que estamos fazendo dentro dos candomblés hoje? E o que nós estamos fazendo com os candomblés?

Vamos refletir. Vamos ficar descalços e sentir a energia da Terra. Vamos tomar um banho de folhas e, depois, vestir as nossas roupas mais simples... Vamos acender uma vela e colocar nosso ori pra descansar... Vamos pedir luz para que consigamos nos enxergar e buscar dentro de nós aquilo que foi perdido lá atrás. Vamos reaprender com nós mesmos, lembrando do que essas velhas e esses velhos nos ensinaram. Vamos honrar uma ancestralidade que chorou, sofreu e morreu para que hoje pudéssemos estar cultuando Inquices, Orixás e Voduns no Brasil... Vamos fazer valer a pena a permissão que nos foi dada para cuidar do que não é nosso e que não possuímos (nós somos possuídos).

Finalizo com uma lembrança muito particular, de quando meu filho fez a sua passagem para o Orum, curiosamente num dia 6 de abril (de 2016)... A primeira vez que a encontrei no Raiz de Ayrá, ela me deu um abraço gostoso e disse: “Meu Filho, você sabe que quando você precisar, você pode chamar Yemanjá que ela vem lhe trazer luz, não sabe?” – Mãe Lameu me permitia ali caminhar na sua conexão direta com a sua Mãe, num ato de total altruísmo que só as mães conseguem entender.

Por Mãe Lameu eu só tenho a mais profunda gratidão e as melhores lembranças de tempos em que Yemanjá e sua Filha estiveram com esse Filho de Erinlè, compartilhando ensinamentos, cuidados, carinhos e amor.

Que a sua passagem seja na mais linda luz.

Adupé, Ìyá Lameu!

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Cachoeira, Bahia, Brasil • 2009

© Tacun Lecy. Todos os direitos reservados.

www.tacunlecy.com

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